sexta-feira, 30 de julho de 2010

Relatos de uma Jovem Invadida


E era assim toda vez que ele chegava ...
Era assim todo começo de madrugada.
Sons e gemidos ensurdecedores.

E quando a luz do dia invadia a janela,
e embora ele fosse,
Era o silêncio que minh’alma enlouquecia.

Os cartazes diziam:
“Diga não ao silêncio! Denuncie, quebre-o!”
“Diga não as drogas! Não Fume!”
Comecei a achar que tudo não passava de uma puta hipocrisia.

Na realidade, fora dos papéis e teoria,
a verdade é que tudo ao contrário acontecia.

Às vezes matavam e nem percebiam.
Sempre matavam e jamais percebiam.
Com os sons me comformava a cada dia.
Mas com o silêncio angustiava-me todos os dia.

Pura e pervertida.
Adulta e indefesa.
Santa e prostituta.


Conformada e angustiada.
Era desse jeito, que sobrevivia até o final da madrugada.

Ana Lima

Alta Inflação

- Uma caixa de 24 cores Faber Castell, por favor.
- São R$ 28,90.
- Nossa, caro...
- Oxênti, que graça teria menina, se seu desenho preto e branco fosse?
- Tens razão, vale a pena. Tenha um bom dia!
- Igualmente!


“Papai que me perdoe, não entendo! Porque pintar o desenho com uma só cor? Se todas as outras cores são tão belas, atraentes e fascinantes! Eu quero é variedade de lápis e cores, eu quero é floridos jardins!”

Ana Lima

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Monólogo de Maria

Fotomontagem de Ana Lima.


Cinza.
Preto.

Vermelho.
Branco? Jamais.


Chuva era tempestade,
vento era ventania.
Tudo muito demais,
tudo muito de menos.


Lágrimas eram rios.
Até palhaço bonito era maldito.
O Incolor se perdia entre o preto e o branco e até
fantasia, estripulias, piada, teatro ou circo causava pranto.


O preto lá de fora invadia.
O cinza se camuflava e atingia.
Mas o vermelho vivo de meu sangue...
ah, este sempre permanecia, permaneceu e permanecerá.


Ana Lima

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Querida Liliane



Deixe que corra
que interrompa, que ensandeça...
Não me preocupo, deixe que permaneça.

Deixe que o fogo se alastre,
que o espinho se instale
e que o doce amenize.

Deixe que o mais belo quadro, se exponha
e que o ser mais insano se identifique.

Óh mãe, deixe que haja paladar e prazer
visão e olho nu, afeto e tato.
Deixe que morra suposições e haja fatos.

Deixe que haja flores,
dançando com as demais
em meio ao vento.
Peço-te, deixe que haja movimento!

Deixe que haja renascimento,
inconstância e desafio.
Deixe que se plante lírios.

Desejo agora
que haja frescor.
Sendo brisa ou ventania,
Deixe que haja amor.

Ana Lima

terça-feira, 13 de julho de 2010

DNA

"Sou uma filha da natureza: quero pegar, sentir, tocar, ser. E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério. Sou uma só...Sou um ser. E deixo que você seja. Isso lhe assusta? Creio que sim. Mas vale a pena. Mesmo que doa. Dói só no começo."
(Clarice Lispector)



"Dói só no começo", depois resta-lhe apenas a cicatriz.

Ana Lima

sábado, 10 de julho de 2010

Fome nada convencional

Assim era todo café da manhã, almoço e jantar.
Refeições repletas de ansiedade, melancolia, desespero e até pode notar-se um restinho de amor mal cuidado.
Junto a toda depressão, dinheiro ali também faltava.
Fome que não se compra. Fome que não se mata com arroz e feijão.
Como criança obrigada a comer couve e quiabo, ela ingeria seus própios desconcertos.
E esperava ansiosamente pela sobremesa.
Sobremesa, recompensa ou alívio? O garçom não servia.
E só uma frase ecoava: "Mamãe, eu quero bala!".

Ana Lima

Suicido diário e vida harmônica

Todo o dia há coita
Em toda parte há coita
O passado coitado, assemelha-se
ao presente e talvez, ao futuro

Oh Coita, que tão delicada e intensa é
procure outro rapaz pra morar
E outra moça para matar

Coita que já se faz anestésica...
Não se vá, continue na antiga e mesma casa
Fique, mas fique como senha de cadeado
Como trancas de portão durante a madrugada

Fique como escudo de ferro, que na verdade, feito de papel é
Como disfarce de bandido, que na verdade, máscara de carnaval é
Como contrários convergentes e harmônicos, fique.

Permaneço eu aqui, louco amante,
assustado, encantado e hipnotizado
com tamanha exuberância e atrevimento
Como pode a mais divergência, harmônica ser?

Permaneça, como força vital diária,
e permaneça mesmo que como homicídio noturno
E caminhando ao lado da mais bela nutrição,
permaneça também como antíduto.

Ana Lima